Mais uma vez, o valor das anuidades que advogados precisam pagar para exercer legalmente a profissão foi tema capital nas eleições para as seccionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), encerradas no final do ano passado. Na média, os advogados precisam pagar o equivalente a 90 reais por mês, preço de um pacote simples de TV por assinatura. Pode não ser um absurdo, mas a Paraíba já teve metade de seus advogados inadimplentes. No rico estado de São Paulo, mais de mil profissionais foram suspensos por causa de dívidas com a Ordem e outros tantos estão sendo cobrados por atrasos. Em Minas, que tem a anuidade das mais baixas, um em cada três advogados inscritos não paga em dia. Em resumo, os advogados não estão conseguindo fazer sua parte. Mas a OAB está fazendo a sua? Entrega serviços que valem o preço da mensalidade? Mais do que isso: é seu papel prestar que tipo de serviços? Administra com eficiência o dinheiro que recebe dos advogados? Quem acha essas perguntas fora de propósito merece conhecer o que vem fazendo a contraparte da OAB na Inglaterra para tornar o acesso mais fácil e a oferta de serviços para os advogados mais ampla. (Confira no fim do artigo o link para o texto original em inglês).
Para continuar a conversa, diga-se que ninguém aqui está questionando a importância da OAB. A questão é outra. Como única entidade investida de poder para decidir quem pode e quem não pode ser advogado no Brasil, a Ordem deve essas respostas para toda a sociedade e especialmente para os advogados. É como observou em seu voto o ministro do TCU Bruno Dantas: “A OAB exerce papel fundamental de vigilante sobre o exercício do poder estatal e de defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Por essa razão, deve ser a primeira, entre os conselhos de fiscalização profissional, a servir de exemplo, e apresentar uma gestão transparente e aberta ao controle público”.
Já nos acostumamos a cenas memoráveis de advogados poderosos desafiando procuradores, confrontando juízes em audiências da Lava Jato e peitando policiais, bonito como em roteiros de filmes de ação. Mas longe dali a situação é muito diferente. Para a maioria dos advogados, ganhar a vida é um enorme desafio entre mais de um milhão de colegas de profissão, 30% deles jovens com menos de cinco anos na lida. São mais de mil cursos de Direito. Muitos dos que se formam ficam represados no exame da Ordem e boa parte dos que chegam lá equilibram-se como podem em uma formação mais do que precária. Ouvimos dizer que muitos advogados já não levantam a voz diante de injustiças porque têm medo de ouvir voz de prisão. A violação de prerrogativas é um problema sério. Esse, um roteiro de filme de terror. No interior é comum ver o advogado chegar ao fórum na garupa do moto táxi. Pede para descer uma esquina antes para não topar com um juiz ou promotor.
O que a OAB tem a ver com isso? Muito, uma vez que o ingresso na advocacia no Brasil depende de aprovação em exame realizado pela Ordem e o exercício legal da profissão requer o pagamento obrigatório de anuidade. Quem quer regular o mercado, que cuide dele.
Como já disse, a OAB tem uma elevada missão institucional em defesa da Constituição e do estado democrático de direito, ninguém discute. Mas, parece ter se habituado às suas próprias contradições. O presidente do seu Conselho Federal é escolhido por voto indireto e a transparência na prestação de contas da entidade é uma discussão em aberto. A chapa encabeçada pelo advogado carioca Felipe Santa Cruz, que disputa o Conselho Federal, sofreu um pedido de impugnação por não ter 30% de mulheres em sua composição. Ainda que não fosse sua obrigação, não seria ruim se de lá viessem os bons exemplos. Aliás, o pedido foi rejeitado.
Chegou a hora de colocar algumas conversas na mesa. Um bom ponto de partida é pensar na OAB sob a ótica dos advogados que mais precisam dela, especialmente sobre o que faz com o dinheiro que arrecada deles. A ordem administra um caixa polpudo, já se falou em mais de um bilhão de reais por ano. É muito dinheiro? Pouco? Depende do que se faz com ele. Seja o que for, OAB rica e advogado pobre não parece legal.