Leio que algumas empresas estão adotando políticas de compliance tão rigorosas que as fazem optar por perder negócios a gerenciar riscos, especialmente quando se trata de situações envolvendo clientes expostos e lavagem de dinheiro. Alguém poderia até dizer que o compliance se tornou um verdadeiro guardião da ética e da legalidade, tão poderoso que é capaz de fazer frente à própria lógica do negócio.
Porém, leio também que as Lojas Americanas têm uma robusta política de compliance — publicada em outubro de 2010, disponível para download em seu site. Nesse caso, aparentemente, o compliance não foi obstáculo para o que se desenha ser um dos maiores escândalos empresarias de todos os tempos no Brasil. Diante desses extremos, podemos perguntar, afinal, para que serve o compliance? Ou melhor, do que estamos falando, quando falamos de compliance? Hoje, essas questões afetam toda a sociedade, mas o debate está restrito a um grupo relativamente pequeno de especialistas. Pois acredito que seria muito importante um esforço de comunicação para ampliar os participantes da conversa para além dos gabinetes executivos. Não imagino que as pessoas vão falar de compliance como falam de jogos de futebol, ou sobre séries do Netflix. Isso talvez não. Mas há um grupo de formadores de opinião, como jornalistas, para ficar em um exemplo, que poderiam estar mais envolvidos. Qual a razão? Pense bem: as políticas de diversidade e a pauta ESG ganharam mais força dentro das companhias quando foram compreendidas fora delas.
Talvez nem estejamos tão longe. Outro dia o motorista do Uber me pediu para apertar o cinto, “é o compliance”, explicou. Releve a inadequação no emprego do conceito. O fato de a palavra compliance ter sido mencionada naquele contexto improvável, sugere que alguma coisa, pode ser que bem pequena, está acontecendo longe dos prédios envidraçados. Talvez algumas pessoas não diretamente envolvidas com o assunto já compreendam que as políticas de compliance (quando bem executadas) são uma espécie de termo de garantia para condutas empresariais saudáveis.
Mas voltemos ao caso Americanas. A queda de um avião não significa que o setor aéreo esteja condenado a ir ao chão. Ninguém acredita nisso. Mas, em nome da segurança de todos é fundamental que as causas de cada acidente sejam investigadas e as lições aprendidas. O caso das Lojas Americanas se encaixa nesse ponto: sua “queda” não condena o compliance, mas seria conveniente que se apresentassem algumas explicações: falhou por quê? Por que falhou? Poderia ter sido feita alguma coisa? Deveria ter sido feita? Certamente, examinar e discutir as causas desse “acidente” ajudaria as pessoas fora dos gabinetes a ter mais segurança no sistema.
Nos anos 2000 eu visitei uma grande empresa, em um momento em que se começava a ouvir falar de compliance no Brasil. Perguntei ao executivo que me recebeu sobre a política da companhia. Ele me levou a uma pequena sala vazia. “Aí está o departamento”, disse ele. “Já tem até o nome na porta”. De fato, um letreiro adesivo na porta de vidro anunciava: Departamento de compliance. O executivo riu e disse: “criar, criamos, fazer funcionar são outros 500…” Segundo ele, compliance era mais uma modinha passageira. Estava errado. De qualquer forma, uma nova geração de aguerridos executivos de compliance têm horror de lembrar histórias desse tipo, porque o trabalho na construção da boa reputação do compliance exige esforço contínuo.
Todo programa bem-sucedido de compliance já tem na comunicação um de seus principais elementos. Hoje, essa comunicação é voltada para dentro, basicamente para envolver colaboradores. É preciso gastar um pouco de energia para falar para quem está de fora.
Publicado originalmente no site da Análise Editorial.